Artigos Postado no dia: 23 outubro, 2023

A Nova Era das Garantias: Como o Marco Legal das Garantias impactará na Recuperação de Bens Alienados Fiduciariamente

Historicamente, o Brasil enfrenta desafios graves na recuperação de créditos garantidos. Atualmente, segundo dados do Banco Mundial, diante da inadimplência dos devedores, o Brasil recupera apenas 18% dos bens dados em garantia, ficando atrás de países como o Chile, o México e a Índia.

Na busca de um melhor cenário, no último dia 03 de outubro, a Câmara dos Deputados aprovou 37 das 50 emendas propostas pelo Senado Federal ao Projeto de Lei nº 4.188/2021, também conhecido como o Marco Geral das Garantias. Com isso, o projeto aguarda a sanção presidencial, para então tornar-se lei, o que espera-se que ocorra rapidamente.

O projeto reformula as regras atuais referentes às garantias ofertadas em empréstimos, financiamentos e consórcios, tais como a hipoteca e a alienação fiduciária, esta última incidente sobre bens móveis ou imóveis. A seguir, algumas das principais alterações.

 

  1. NEGOCIAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Dentre as alterações propostas, poderá o credor adotar medidas extrajudiciais para retomar o seu crédito, dentre elas, poderá delegar ao Tabelionato de Protesto a negociação da dívida junto ao devedor, inclusive após o protesto do título, cabendo ao devedor, em caso de acordo, os custos dos emolumentos pertinentes.

Ainda, será permitido ao Tabelião, ao iniciar o processo de negociação, intimar o devedor por meio de aplicativos de mensagens instantâneas, tais como o WhatsApp, além das vias mais tradicionais, como a carta simples e o correio eletrônico.

 

  1. PROVA DE VIDA

Outro ponto importante será a permissão dada aos Cartórios de Pessoas Naturais para emitirem o certificado de prova de vida, de estado civil e de domicílio físico e eletrônico do interessado, mediante convênio celebrado com a instituição interessada.

 

  1. EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL DAS GARANTIAS AUTOMOTIVAS

Inovação importante trazida pelo Marco Geral das Garantias diz respeito a dispensa de medidas judiciais para a retomada do bem garantido, possibilitando a execução extrajudicial das garantias automotivas, gravados com o ônus da alienação fiduciária. A retomada dos veículos, pelo credor fiduciário, será realizada junto aos Detrans, por meio das empresas centralizadoras de registros, que ficarão encarregadas de todos os procedimentos pertinentes.

 

  1. BENS IMÓVEIS e SEGUNDA ALIENAÇÃO

Também será possível que um mesmo imóvel seja dado em garantia mais de uma vez, ou seja, que sobre ele recaia mais de uma alienação fiduciária. Nesta hipótese, a alienação fiduciária anterior terá preferência em caso de execução da garantia. Havendo a venda do bem, em decorrência da execução, cancelam-se o registro de todas as demais alienações fiduciárias e os seus respectivos credores receberão o que restar do preço obtido com a venda.

Da mesma forma, será permitido que o devedor contraia novas dívidas com o mesmo credor da alienação fiduciária original, dentro do limite do saldo positivo entre o débito primário o valor avaliado da garantia. Para isso, as operações permitidas deverão estar no âmbito do Sistema Financeiro Nacional e nas operações com empresas simples de crédito (ESC), que concedem empréstimos para microempreendedores, microempresas e empresas de pequeno porte.

 

CONCLUSÃO

O Marco Geral das Garantias traz avanços importantes no cenário legal brasileiro e, certamente, trará uma maior maturidade no ambiente de crédito, pois proporcionará um maior nível de segurança ao credor na execução das garantias ofertadas, com processos mais simplificados.

Contudo, embora essas mudanças representem um passo importante para garantir uma maior agilidade na retomada de bens, em especial, dos veículos automotores, é fundamental considerar que esses facilitadores não constituem, por si só, uma solução definitiva para todos os desafios que envolvem esse tipo de garantia.

O primeiro desafio continuará sendo o da localização dos bens automotivos. Em muitos casos, veículos e motocicletas podem ser de difícil rastreamento, especialmente se o devedor tentar ocultar o bem. A falta de um mecanismo eficaz de localização pode atrasar a recuperação do ativo, prejudicando a eficácia da garantia.

Outro ponto crítico que não se resolve pela nova norma são os riscos de deterioração proposital do bem e a não adoção de políticas eficazes de responsabilização do devedor por sua regular manutenção. A recuperação de um bem deteriorado pode resultar em perdas financeiras relevantes, que afetam, diretamente, a equalização dos riscos de concessão do crédito.

Além disso, os débitos fiscais e tributários, tais como multas, impostos e demais encargos incidentes sobre o bem, se inadimplidos pelo devedor, podem comprometer o resultado da retomada da garantia, tornando questionáveis as previsões econômicas de sua recuperação.

Por outro lado, é preciso também estar atento aos riscos de superendividamento e insolvência do consumidor. Com a disponibilidade de uma maior capacidade de alavancagem, uma oferta de crédito mais farta e juros mais baixos, o consumidor se depara com oportunidades tentadoras. No entanto, essa situação exige muita responsabilidade e um bom planejamento financeiro na tomada de decisão. O excesso de dívidas pode levar a insolvência, colocando em risco a capacidade do consumidor em cumprir com suas obrigações contratuais.

Todos esses fatores, apesar do Marco Geral das Garantias, manterão sua influência no risco de crédito relacionado ao consumo de bens garantidos. Não existem soluções mágicas para esses desafios. Acreditamos que a conscientização em relação ao consumo responsável e ao planejamento financeiro adequado, em conjunto com uma política de concessão de crédito justa e equitativa, por parte do empresariado, são os caminhos que poderão trazer maior sustentabilidade e efetividade a esse cenário.

 

 


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